sábado, 3 de dezembro de 2011

Memórias


- Lembra-se dos Cantores de Ébano?

- Menina, isso é coisa prá gente das antigas!

- Das antigas, não sei! Mas, as memórias que trago da meninice ainda brilham nos meus olhos e me guiam vida afora.

Naquela época, o meu contato com o mundo era por meio do rádio que chegava a todas as brenhas e lugarejos da região. Lembro-me de Luiz Gonzaga, Jair Rodrigues, Cantores de Ébano, Marinês e Zé do Norte. Além disso, vez ou outra, o circo chegava para alegrar e havia, também, o João Redondo (fantoches) e o Reisado.

domingo, 9 de outubro de 2011



juntei todas as pedras amoladas

nos fios dos dias meus

fiz com elas

santuário de lembranças

depois soprei-as levemente

pelas ruas que andei.

sábado, 27 de agosto de 2011

Mergulhos em pedras

a tarde se desfazia no horizonte

no aconchego do quarto

abriu a janela da torre mais alta

entreviu a claridade pela fresta

um momento de hesitação: entrou

fechou cuidadosamente a tranca

peixes violáceos deram-lhes passagem

abraçou a árvore centenária de onde pendiam genes ancestrais

achou uma pequena chave que murmurava segredos

brincadeiras secretas e porões que não queria visitar

as nuvens avermelhadas mancharam de sangue a tarde

conteve-se!

Olhou a pedra desabrochando

afiou com ela a faca dos seus dias

alguns passos e lá estava Van Gogh girando em círculos multicores

os relógios de Dali, há tempos descosidos!

Um carcará deixou uma sombra alaranjada no chão

um filete d’água escorreu do céu da boca

tornando-se um caudaloso rio

transformou-se na mulher peixe

com sua cauda esmeralda

mergulhou na fossa abissal

resistiu, não era hora!

Melhor brincar com nuvens de brinquedos de crianças

comer doces e, quem sabe, virar Peter Pan?

A chave continuava retinindo no fundo da memória

a árvore secular resistindo

uma prateleira com chaves!

A chave do segredo?

Ouviu a voz doce da mãe do tempo

lá no fundo da caverna

que ficasse por lá!

Ordenaria que dissipassem as nuvens de chuva

queria lua prateada e estrelas no céu

ninhos de aves prenhes de vida

flores de formatos e cores ímpares

desejou voltar - o barqueiro havia sumido

a onça de olhos gateados mostrou as presas

das íris amareladas escorreram mel

desejou retornar

o sol há muito já se fora

a boca da noite com seu céu prateado trazia mistérios

era urgente voltar!

Os seios pendentes das árvores-mães não destilavam leite

destilavam pedras afiadas

a alma amortecida não sabia ler os sinais de fumaça

era prisioneira em sua torre

restava-lhe experimentar todas as chaves

os segredos foram se desvelando

alguns!

Outros tantos

ficaram à espreita!

Flor da idade

O tempo desabrochou a flor

que sedenta posta os olhos no caminho

tempo tempo tempo

sucos na pele

alma/identidade.



sábado, 6 de agosto de 2011

São João

Mês de junho já chegou,

Mês de junho já passou...

Ainda não vi meu São João do carneirinho

Cadê o mastro do santinho?



Macaquitos no sotão


A primeira vez que ouvi a expressão “macaquitos no sótão” fiquei bastante intrigada. Não me lembro de quem a pronunciou. Um rosto de mulher com uma expressão indecifrável me vem à mente. Seu nome e as circunstâncias se foram.
Eu, por minha vez, imaginei logo vários macaquinhos em tremendo alvoroço, revirando malas abarrotadas de cartas antigas, baús cheios de fotos amareladas, visitando recantos escuros e empoeirados. Pensei em cadernos de primeiras letras, desbotados pelo tempo com as garatujas infantis, jogados ao chão, folhas amassadas e arrancadas.
Veio-me à memória a fotografia da minha primeira professora: Dona Abigail – magra, circunspecta e com uma régua em riste. Que destroços esses macaquitos não fariam ao vê-la assim? Sempre se fingindo de brava. Anos se passaram, aquela menina impressionável se foi, mas a dona Abigail continua lá, no sótão, sempre tão séria e fechada que tenho a impressão que vai montar em sua vassoura e levantar voo. E agora é que vai mesmo: com toda essa bagunça!
Mas, pensando bem... Não tem desordem que resista a uma verruga na ponta do nariz!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Eu e o mar

Inexorável mar

batendo nas pedras

nas pedras batendo...

Eterno vai e vem

vem e vai eterno...

É o mar

é o mar!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Zabé

Obra exposta em galeria de Olinda jan/2010

A máquina véia que custurou a calça de Antoio

A camisa da Belinha e a saia da Zulmira

A máquina véia que pedalou noite e dia

Para vestir a famiarada

Hoje empoleirada

Empoeirada nos guardados

As aranha fazendo festa

Casa de linha e labirinto.


- Minino, num entra aí não

Deixa em paz os trecos de Zabé

Os retaios de chitas e de tergal

Os ticidos, ticidos no tear


Os óios quase cego de Zabé

O camisolão cubrindo o corpo magro

As mãos calejadas dedilhando o terço

Uma vida e seu preço

Os óio quase cego

Oia e não vê os terens jogado no tempo

E se visse: meu Deus!

sábado, 18 de junho de 2011

Universos

Universos

Ela havia lido tantas coisas

Ela havia lido tantas coisas...
(para Jujú, amiga inesquecível)

estrelas cintilantes

bússolas orientais

folhas de chá

mapas astrais

palmas das mãos

ruas transversais

plantas dos pés

verdades universais

bulas de remédios

visões paranormais.

Ela havia lido tantas coisas...


revistas de fotonovelas

obituário nos anais

placas de sinalização

processos criminais

revistas em quadrinhos

textos de jornais

literatura de cordel

bebido dos mananciais.

Ela havia lido tantas coisas...

desenhos nas cavernas

processos culturais

colagens fotográficas

figuras ocidentais

filigranas nos lençóis

temperaturas corporais

passos na areia

rastros de animais.

Ela havia lido tantas coisas...

trilhas no cerrado

imagens virtuais

búzios encantados

programas matinais

artefatos primitivos

estações siderais

crateras lunares

fossas abissais.

Ela que havia lido tantas coisas queria ler mais...


ler a própria alma

moléculas existenciais

tocar pela presença

marcas visuais

ler pela a ausência

redutos espirituais

visões sistêmicas

ideologias marginais.

domingo, 12 de junho de 2011